quinta-feira, dezembro 06, 2018

"O Beijo no Asfalto"



Estreando na direção, o ator Murilo Benício optou por levar às telas a refilmagem de um clássico do teatro e do cinema nacional, "O Beijo no Asfalto", adaptação da polêmica peça homônima de Nelson Rodrigues, de 1960. A obra já foi para o cinema em 1964, "O Beijo", sob direção de Flávio Tambellini, e "O Beijo no Asfalto", em 1981, de Bruno Barreto.

A história, escrita num prazo de 21 dias, foi inspirada na história de um repórter do jornal "O Globo", Pereira Rego, que foi atropelado por um ônibus antigo. No chão o velho jornalista percebeu que estava perto da morte e pediu um beijo a uma jovem que tentava socorrê-lo. Nelson Rodrigues alterou um pouco a história. Na trama do dramaturgo, o atropelado da praça da Bandeira pede um beijo a Arandir, jovem recém casado.

A cena é presenciada por Amado Ribeiro, repórter do jornal "Última Hora", que junto do delegado corrupto Cunha, modifica a história do último desejo de um agonizante em manchete principal. O jornal acaba retratando Arandir como um homossexual que empurrou o amante à frente de um ônibus e depois o beijou. A vida do rapaz se transforma num inferno, e ele acaba perdendo tudo, inclusive a apaixonada mulher.

Benício faz uma leitura diferente, mesclando o registro cinematográfico ao de uma montagem teatral, e fazendo ainda um documentário, onde acompanha os ensaios da peça. Ainda é mostrada uma mesa redonda de leitura do roteiro, composta pelo elenco principal e comandada pelo diretor de teatro Amir Haddad.

Na angustiante obra, podemos acompanhar a ruína na vida de Arandir, vivido por Lázaro Ramos. A cena do beijo é testemunhada por seu sogro, Aprígio (Stênio Garcia) e registrada pelo repórter sensacionalista Amado Pinheiro (Otávio Müller). O fato gera grande repercussão, originando uma investigação policial comandada pelo delegado Cunha (Augusto Madeira) e afetando a relação do jovem com a esposa, Selminha (Débora Falabella), e com a cunhada, Dália (Luiza Tiso).

Se sobressai nesta releitura, que manteve a época original em que foi escrita, os conservadores anos 1950. Preconceito, fake news e corrupção policial acabam fazendo uma ponte extraordinária com o tempo em que vivemos. Se destaca ainda a bela fotografia em preto e branco e a reconstituição de época.

Duração: 1h38
Cotação: ótimo

Chico Izidro

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