terça-feira, fevereiro 19, 2013

“A Hora Mais Escura”



A ótima diretora Kathryn Bigelow já havia visitado o mundo do terrorismo com o oscarizado “Guerra ao Terror”, que na realidade mostrava muito pouco sobre os radicais muçulmanos, e ia fundo na questão da readaptação dos soldados à vida cotidiana.

Em “A Hora Mais Escura”, Bigelow consegue ser soberba, retratando os dez anos de entrega total de uma agente da CIA na busca pelo chefe da Al Qaeda, o saudita Osama Bin Laden. O cabeça por trás dos atentados de 11 de setembro. A agente Maya é interpretada pela ruiva Jessica Chastain, que vem construindo excelente carreira na telona. Nos últimos tempos, ela pode ser vista em “Histórias Cruzadas”, “A Árvore da Vida”, e “O Abrigo”, por exemplo. Maya, em sua primeira aparição, treme ao assistir a uma sessão de tortura praticada pelo colega Dan (Jason Clarke). O torturado é guinchado, é surrado, sofre um falso afogamento, é obrigado a rastejar de quatro. Aos poucos, Maya vai endurecendo o coração e o modo de agir. E atente, o filme não glorifica a tortura, apenas reconstitui o que realmente ocorreu em prisões como Guantánamo e Al Ghraib.

Cada momento da investigação é minuciosamente detalhado e dramatizado com excelentes atuações. E foca muito em encontrar o mensageiro de Bin Laden, o homem que fazia o meio de campo entre o líder e seus seguidores. E ao encontrá-lo, a constatação: acreditou-se durante anos que Osama Bin Laden encontrava-se escondido em alguma caverna nos confins do Afeganistão, protegido pelos furiosos talibãs. Só que ele estava no Paquistão, em Abbottabad, a cerca de 40 quilômetros da capital Islamabad.

O cerco ao terrorista foi filmado na Índia, ali do lado do Paquistão, e reconstitui com maestria os acontecimentos. Desde a descoberta da casa, a dúvida se ali mesmo morava o homem mais procurado da Terra. E a meia-hora final cria um climax muito superior, por exemplo, ao excelente “Argo”, de Bem Afflek. Já conhecemos o término, a morte de Osama. Mas a forma como Bigelow dirige a cena...não há trilha sonora, apenas o pipocar dos tiros das metralhadoras, as explosões das portas e do helicóptero que caiu na rua, e os marines invadindo na tal hora mais escura, uma noite sem lua, aquela mansão de três andares, e caminhando pela escuridão, peça por peça, sussurrando “Osama, Osama”. A diretora, enfim, nunca mostra o rosto do saudita morto, apenas o corpo baleado, evitando assim o sensacionalismo, e fazendo a gente querer ver o filme novamente, para analisar cada detalhe.

Cotação: ótimo
Chico Izidro

“O Som ao Redor”



Uma rua em Recife, ruídos diversos ilustram o cotidiano de seus moradores de classe média no perturbador “O Som ao Redor”, do diretor e jornalista Kleber Mendonça Filho. O filme é inquietante. Porque em princípio nada acontece, a não ser mostrar a vidinha vazia de várias pessoas.

Só que aos poucos, os personagens vão sendo apresentados. O riquinho, que arranjou uma namorada, e vaga dentro de seu enorme apartamento, enquanto conversa com a empregada, uma senhora negra de seus 60 anos, quase servil. A dona de casa entediada, que passa os dias fumando maconha, escutando Queen e masturbando-se na máquina de lavar. O boyzinho ladrão de carros, o velho dono da maior parte dos prédios e casas da rua. E como a rua vem sendo alvo de diversos assaltos e roubos, um grupo de seguranças, liderado pelo cínico Clodoaldo (Irandhir Soares, de Tropa de Elite 2) resolve cuidar do local. Para tanto, os vigilantes propõem aos moradores de cada um pagar R$ 20 mensais, e terão segurança. Não deixa de ser um tipo de achaque, mas muitos concordam. Para não se incomodar, de um modo ou de outro.

E os sons sempre presentes. O tempo todo escutamos marteladas, furadeiras, pneus freando no asfalto, o mar logo ali perto, a duas quadras, buzinadas, músicas... enquanto esperamos o desenrolar dos eventos. A impressão é de que nada vai acontecer, que o filme se encaminha para o nada, mas estamos enganados. E o diretor Kleber Mendonça Filho também não poupa delírios, pesadelos dos personagens, todos comuns, mas com profundidade em suas vidinhas quase vazias. No final, temos a certeza de que tudo na vida tem um próposito.

Cotação: ótimo
Chico Izidro

“Meu Namorado é um Zumbi”



O zumbi é aquele ser que caminha por aí, à procura de carne humana para devorar, e assim se manter em pé. Iria escrever sobreviver, mas encontro aí uma contradição, afinal, ele já está morto. O charme é imaginar como pensa um zumbi, se é que ele pensa. Se é que sente alguma coisa. A dúvida é discutida, de forma divertida, em “O Meu Namorado é um Zumbi”, direção de Jonathan Levine.

O exercício já havia sido feito na série Clube do Terror, onde um carinha vagava por aí, sem saber que havia sido mordido e se transformado num ser andante, e no filme Deadheads, onde um zumbi com consciência, tentava escapar dos humanos que queriam eliminá-lo, ao mesmo tempo que procurava a namorada.

Em “O Meu Namorado é um Zumbi”, R (Nicholas Hoult, de O Grande Garoto) vaga com outros seres no aeroporto, pensando na “vida”. Até que um dia ele e outros zumbis atacam um grupo de humanos. R acaba devorando o cérebro do namorado da bela Julie (Teresa Palmer, de Eu Sou o Número Quatro). De certa forma, recebe as memórias do jovem, e ter sentimentos pela garota, a quem defende do resto do bando de mortos-vivos. No princípio assustada, aos poucos Julie vai afeiçoando-se aquele monstro com cara de bebê, que escuta rock’n’roll e procura comida para ela. R começa a ter novamente sensações humanas, e isso encanta Julie. Só que ela é filha do líder dos humanos, que saem por aí caçando zumbis.

Sim, o filme é uma espécie de Romeu e Julieta, e tem similaridades com a também cine-série romântica “Crepúsculo”. Mas o zumbi e a humana leva de lavagem em eficiência sobre o vampiro e a humana. A produção é mais cuidadosa, a trilha sonora é melhor, os diálogos são mais inteligentes e divertidos, e os atores são, infinitamente melhores. Sendo que Teresa Palmer tem grandes semelhanças com Kristen Stewart.


Cotação: bom
Chico Izidro

“As Aventuras de Tadeo”



Tadeo é uma espécie de Indiana Jones criado pelo espanhol Enrique Gato em meados da década passada..... Mas na realidade, o garoto que sonhava em ser um arqueólogo famoso, perdeu-se no meio do caminho, tornando-se apenas um pedreiro em Chicago, tendo como único amigo um travesso cão. Mesmo assim, por um equívoco, ele acaba parando no Peru na animação “As Aventuras de Tadeo”, dirigido por Enrique Gato.

Em terras peruanas, Tadeo vai se encantar pela bela Sara, filha de um notório professor, que está sumido, e de um papagaio mudo. Juntos, tentarão evitar que um grupo de mercenários se aposse de um tesouro maia.

A animação, cujos personagens lembram o formato da turma do “Guerra dos Vegetais” e “A Fuga das Galinhas”, é por isso muito bem trabalhada, e realizada na Espanha, não deixa nada a dever aos estúdios americanos ou ingleses. O problema é que dirigida para o público infantil, acabe sendo um festival de estereótipos preconceituosos. O ajudante de Tadeo e Sara é Freddy, um nativo baixinho, narigudo, servil, preguiçoso e que não poupa mentiras para se dar bem financeiramente com os turistas. E a jovem Sara, mesmo também sendo do país sul-americano, tem traços fortemente europeus, afinal ela tem de enlaçar um romance com o herói. E esses preconceitos acabam por macular a boa animação.

Cotação: regular
Chico Izidro

“Inatividade Paranormal”


Nos anos 1980, uma série de filmes tirando sarro de sucessos de Hollywood cativou uma geração e até hoje ainda traz dividendos. “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, “Top Secret” e “Corra Que a Polícia vem aí” foram completamente iconoclastas e geniais. Tinham criatividade, eram hilários, debochados e totalmente politicamente incorretos. Aos poucos a fonte foi secando, e as produções posteriores perderam força. Ficou um festival de vômitos e peidos. E nesta linha encontram-se filmes como "Não é Mais um Besteirol Americano", "Uma Comédia Nada Romântica", "Espartalhões" e "Todo Mundo em Pânico”, onde a tentativa era o de detonar com os filmes de terror. Alguns acertaram algumas piadas, mas no cômputo geral, ficam devendo. Agora “Inatividade Paranormal”, dirido por Michael Tiddes, pretende satirizar obras como “A Bruxa de Blair”, “O Exorcista”, e mais evidentemente “Atividade Paranormal”.

E o resultado é constrangedor. Um carinha decide morar com a namorada em sua grande casa, típica de classe média americana, e vai filmando tudo, na já manjada câmera subjetiva. Algumas piadas raciais até funcionam, pois o cara, Malcolm (Marlon Wayans) é negro, e todo mundo acha que ele e a garota são os empregados da casa. No mais, o casal descobre que um fantasma está assombrando o local e instala várias câmeras pela casa. E dê-lhe peidos, arrotos, entre outras cenas escatológicas, até a cena do exorcismo final, juntando um padre e um medium gay. Decepção total.

Cotação: ruim
Chico Izidro

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

“O Voo”

Equivoca-se quem imagina ser “O Voo” um filme de ação. Dirigido por Robert Zemeckis, de “De Volta Para o Futuro” e “Náufrago”, e protagonizado por Denzel Washington, é na realidade um forte drama psicológico, com realistas cenas de consumo de bebidas e drogas. O oscarizado Denzel, para não perder o costume, está soberbo no papel do piloto alcoólatra e cocainômano Whip, que costuma trabalhar completamente turbinado.

O início do filme é impactante, com uma tensa viagem de avião onde tudo dá errado, principalmente porque Whip está no comando do voo completamente alucinado, para não perder o costume. Mas é aquela velha história, 50 vezes você faz a coisa errada, mas nada dá errado. Porém na 51ª a sorte não estará de seu lado. O avião se espatifa no chão, mas Whip consegue salvar 99% das pessoas que encontravam-se a bordo. Vira um herói nacional, porém no decorrer dos dias o incidente começa a ser investigado a fundo, e começam a suspeitar que o piloto não foi tão heroico como aparentava. O sindicato dos aeronautas e seu advogado começam uma estratégia sinistra por baixo dos panos para tentar eliminar as suspeitas que recaem sobre Whip. O problema é que o piloto é daqueles doentes que não reconhece a doença. E isso é comum. Muitas pessoas não aceitam estar com problemas e além de estragar suas vidas, estragam as pessoas próximas a elas.

“O Voo” tem momentos chocantes. Não gosto muito deste termo, mas é o adequado aqui. Em reunião dos AAs, levado pela linda namorada e, assim como ele, viciada, Whip mostra o tédio imenso por estar lá e a contrariedade por não considerar-se um doente como aqueles que lotam a sala e dão seus testemunhos. Em outros momentos, Zemeckis, conhecido por filmes mais família, não poupa os closes em consumo de drogas. Denzel Washington cheira cocaína, bebe compulsivamente, mesmo ao volante de um carro, e sua namorada Nicole (Kelly Reilly, de Sherlock Holmes) injeta heroína, enquanto “viaja” no chão do quarto imundo que aluga. No final, você jura que nunca mais vai colocar uma gota de álcool na boca.

Cotação: ótimo
Chico Izidro

“Fogo Contra Fogo”

Charles Bronson deve ter vibrado em seu caixão. “Fogo Contra Fogo”, direção de David Barett, segue a mesma linha da violenta e sangrenta cinesérie “Desejo de Matar”, protagonizada pelo próprio Bronson (1921/2003) nos anos 1970/80. Ou seja, se você é mal, tem de pagar com a vida.

Esqueça a coerência do roteiro. O pacato e heroico bombeiro Jeremy (Josh Dushamel, de Transformers: O Lado Oculto da Lua) testemunha o assassinato de um dono de uma mercearia e do filho deste por um neonazista (Vincent D’Onofrio, de Nascido Para Matar). Bom cidadão, decide testemunhar contra o assassino e jurado de morte, é obrigado a entrar no programa de proteção às testemunhas. Só que se livrar de Hagan não será fácil, tanto que começa a ver as pessoas próximas serem perseguidas, principalmente a sua namorada, a policial Talia (Rosario Dawson). Só resta uma opção para Jeremy: matar Hagan antes de ser morto pelo próprio. O bombeiro entra na clandestinidade, e começa a agir como um justiceiro, transformando-se de um dia para o outro um cruel assassino, que não vacila para decepar dedos de um nazista, ou tocar fogo em outro. É a velha história, olho por olho, dente por dente. Os furos de roteiro são tantos, a inverossímilidade é tremenda, que incomoda. “Fogo Contra Fogo” funciona, caso não queiramos pensar, caso queiramos ver um filme de ação, tiroteios, perseguições, segurando um pacote de pipoca e tomando coca-cola.

Bruce Willis está presente, mas como coadjuvante, no papel de um policial correto, totalmente contrário ao seu xxxx, consagrado em outra cinesérie que tem a vingança como matriz: “Duro de Matar”. E Vincent D’Onofrio, revelado no filme de Stanley Kubrick citado acima, nunca chegou a ser que esperava-se dele. Em “Fogo Contra Fogo”, seu neonazista, com direito à suástica tatuada no peito, é de um exagero gritante, com direito a diálogos canhestros.

Cotação: ruim
Chico Izidro

“Os Miseráveis”

Obsessão. De um policial em se fazer cumprir a lei, mesmo sendo essa absurda. E de um ex-presidiário em viver em paz, esquecendo o passado. O escritor francês Victor Hugo foi certeiro em seu clássico “Os Miseráveis”, onde criticou severamente a França pós-revolução, onde a pobreza e a injustiça continuaram imperando. O romance já foi transposto para as telas diversas vezes, sendo a mais marcante a de 1952, com Charles Laughton no papel do severo guarda Javert. A versão musical também se fez presente na Broadway, e na tela grande é transformado num épico à sua altura, com direção de Tom Hooper.

Jean Valjean (Hugh Jackman) roubou um pão para matar a fome do sobrinho pequeno. Preso, é condenado a 20 anos nas galés. Libertado um ano antes sob condicional, se vê eternamente perseguido por Javert (Russel Crowe), que não acredita um homem poder mudar seu caráter. “Um ladrão, sempre um ladrão”, repete Javert. Valjean some no conturbado país, muda de identidade e se preocupa em criar Cosette (Amanda Seyfried), filha da desafortunada Fantine (Anne Hathaway). Mas sempre com o intransigente Javert em sua cola. Resumir um romance de mais de 3 mil páginas não é tarefa fácil, mas aqui o que importa é a exuberância do musical, onde destacam-se a bela Anne Hathaway e Jackman, mostrando versatilidade, para quem acredita só ser possível ele viver o super-herói Wolverine. Em sua primeira aparição está completamente irreconhecível, esquelético, cabelo cortado desordenadamente. O ator diz ter ficado mais de dois dias sem beber água para a cena.

Os dois mostram voz bonita e segurança – as músicas foram cantadas ao vivo, durante a gravação, ou seja, não ocorreram dublagens ou ajustes em estúdio. O mesmo nível foi alcançado pela novata Samantha Barks, interpretando a desafortunada Eponine, apaixonada secretamente pelo jovem Marius (Eddie Redmayne), par romântico de Seyfried. Essa fracassa em sua interpretação da jovem Cosette. Mas pior que Seyfried só mesmo o bronco Russell Crowe e sua voz de taquara rachada. Estes detalhes, porém, não estragam a majestade de “Os Miseráveis” e sua câmera portentosa. O diretor Tom Hooper não poupa os closes em solos musicais, por exemplo, quando Anne Hathaway interpreta a dolorosa On My Own. Ou em rasantes panorâmicos por uma Paris oitocentista e sua pobreza endêmica.

Cotação: ótimo
Chico Izidro

“O Lado Bom da Vida”

Você pode ter uma vida normal, mas determinado evento forte pode disparar um gatilho. Bom, você se descobre doente. Depressão, bipolaridade. No caso de Pat foi flagrar a mulher, por quem era absurdamente apaixonado, na cama com outro homem. “O Lado Bom da Vida”, direção de David O. Russell, visita esta questão, mostrando a bipolaridade de dois personagens, vividos intensamente por Bradley Cooper (Se Beber Não Case) e Jennifer Lawrence (O Inverno da Alma).

A vida de Pat dá um giro de 180 graus com a traição, e ele passa vários anos internado. Mas na sua cabeça foram apenas nove meses. Ao sair, volta a morar com os pais. A família, porém, não é nada certa. Uma família disfuncional. O pai, Pat Sr. (Robert de Niro, em sua melhor atuação em anos e sem apelar para as caretas que já estavam tornando-se uma marca registrada), tem toc e é viciado) em jogatinas, enquanto que a mãe, Dolores (Jacki Weaver, de ) é completamente passiva e carente. Pat ainda acredita poder recuperar a esposa e salvar o casamento, mas não pode chegar perto dela, por determinação judicial. Ainda por cima, o cara perde o controle facilmente, tem atitudes intempestivas, que pioram sua situação. Até que surge em seu caminho a linda viuvinha Tiffany (Jennifer Lawrence, cativante e sexy como nunca), viciada em sexo, que interessa-se por ele. A garota, no entanto, não quer só um namorico, quer ainda um parceiro para um concurso de danças.

O envolvimento dos dois não é nada fácil. Duas pessoas problemáticas, sofridas. Que acabam atraindo-se. A história é previsível, mas contada de uma forma singela e honesta. Claro que as soluções fáceis surgem. Um exemplo que traumas, doenças, não são solucionados apenas com um novo amor. Mas pelo menos o amor dá esperança.

Cotação: bom
Chico Izidro

"Amor"

Nunca a velhice foi retratada tão dolorosa e cruelmente quanto em "Amor", do diretor bávaro Michael Haneke. Em meados de janeiro, o ator brasileiro Walmor Chagas suicidou-se, dando um tiro na cabeça, pois aos 79 anos, estava quase cego, com dificuldades de andar, e impossibilitado de fazer as coisas mais simples e que amava, como ler. Optou pelo caminho mais curto para acabar com o sofrimento. Atitude que abre forte discussão. Afinal, ele deveria esperar a hora de sua partida dessa vida ou enfrentar até o minuto final o sofrimento que já permeiava seu ser?

Em "Amor", a bela história de um casal com seus 80 anos e mais de cinco décadas de relacionamento é colocado à prova quando Anne (Emmanuelle Riva, de Hiroshima, Mon Amour) sofre um derrame e fica com o lado direito do corpo paralisado. Seu marido, Georges (Jean-Louis Trintignant, de Paris Está em Chamas?), pacientemente passa a cuidar da esposa, demonstrando o amor intenso que tem por ela. Faz a comida, a leva para cima e para baixo dentro do apartamento, onde transcorre 99% da ação - somente o começo do filme é fora do ambiente, numa ópera. Tanta atenção e carinho chega a receber elogio do zelador do prédio, quando chega com as compras do casal. "Sua atitude é elogiável. Eu o admiro pelo modo como vem conduzindo a situação", diz o empregado.

Fragilizada, Anne vai sofrer outro derrame, que a colocará imóvel na cama. Quase um vegetal. A responsabilidade de Georges aumenta, sua angústia também. Ele vaga pelo enorme apartamento em Paris, o silêncio toma conta do ambiente, só quebrado pelos gemidos de Anne, ou por uma pomba que entra por uma janela aberta. Em flash-backs, Georges recorda sua amada esposa tocando piano. Georges também vê a mulher ser maltratada por uma enfermeira, discute com ela. Os minutos finais são de um silêncio angustiante, a câmera praticamente estática, mirando Georges, que prepara o ambiente para a decisão final. Que choca e faz pensar.

Cotação: ótimo
Chico Izidro

"O Mestre"

Contando com atuação impecável de um de seus atores favoritos, Phillipe Seymour Hoffman, e com outro grande intérprete, Joaquim Phoenix, o diretor Paul Anderson Thomas transforma "O Mestre" em um deleite de mais de duas horas e meia. A história gira em torno de uma religião surgida nos anos 1940 por um guru americano, Lancaster Dodd (Seymour Hoffman), O Culto, claramente retratando a polêmica Cientologia, criada por L. Ron Hubbard, e que tem como princípios de o homem ser espiritual e imortal, e com suas capacidades ilimitadas, ainda que não totalmente desenvolvidas. Além disso, a Cientologia permite que o seu seguidor não abandone suas crenças originais, ou seja, pode ser cristão, judeu, adventista, budista e aplicar os ensinamentos destas religiões para melhorar as diferentes áreas de sua vida.

Em "O Mestre", a figura central é Freddie Quell (Phoenix). Sua cena inicial numa praia do Pacífico ao final da II Guerra Mundial é um aperitivo das bizarrices que virão em seguida. Servindo na Marinha e sem ter muito o que fazer enquanto espera o armísticio, Freddie vaga pela praia e simula sexo com uma boneca esculpida na areia pelos colegas ociosos. De volta aos Estados Unidos, vai trabalhar numa loja de departamentos como fotógrafo, numa lavoura, onde envenena um outro trabalhador com uma bebida caseira que fabrica, e que leva até combustível de carro. E que vai ajudar a se aproximar do guru Lancaster Dodd, um misto de escritor, filósofo, reverendo, profeta, que consegue arregimentar um grande grupo de seguidores, meio que hipnotizados pelas suas teorias doidas. Freddie transforma-se em fiel e, com seu jeito rude e agressivo, uma espécie de guarda-costas de Dodd. Mas aos poucos, Freddie começará a questionar O Culto. E verá como tão difícil é livrar-se dos tentáculos de Dodd.

O trabalho corporal de Joaquim Phoenix é algo para se destacar. Curvado, quase corcunda, mãos colocadas na cintura, olhares arregalados. Sua explosão ao ser preso e colocado numa cela é quase antológica. Amy Adams, que interpreta Peggy Dodd, a esposa de Lancaster, assusta a cada aparição. Por vezes, pode-se imaginar que seu personagem será o verdadeiro "mestre" por detrás do Culto. A trilha sonora, baseada nos jazz dos anos 1950, é igualmente impactante e por vezes enervante.

Cotação: ótimo
Chico Izidro

“Caça Aos Gangstêres”

Como um filme reunindo um elenco de primeira consegue resultado final tão pífio? Pois “Caça Aos Gangstêres”, dirigido por Ruben Fleischer , consegue. Em cena Sean Penn, Josh Brolin, Ryan Gosling, Nick Nolte, Giovanni Ribisi, Emma Stone e Robert Patrick. No final, você jura que caiu numa pegadinha de mau-gosto. Para começar, o filme não esconde tentar copiar vários clássicos que destacam a máfia, como “Os Intocáveis”, “Uma Cilada Para Roger Rabbit”, “Dick Tracy”, ”Bugsy", filme de Warren Beatty sobre o mafioso judeu criador de Las Vegas.

A história transcorre no final dos anos 1940, em Los Angeles, onde o ex-boxeador e agora mafioso Mickey Cohen, que realmente existiu e no filme é vivido por Sean Penn, domina o mercado de drogas da cidade e pretende expandir seus negócios. Claro que ele tem no caderninho de pagamentos juízes, policiais, advogados. Sua influência nociva incomoda o incorruptível chefe de policia Bill Parker (Nick Nolte), que decide montar um esquadrão de tiras incorruptíveis para acabar com o mafioso. Os policiais, liderados pelo veterano de guerra John O’Mara (Josh Brolin) agirão à margem da lei, praticamente invisíveis, sabotando os negócios ilícitos de Cohen. A formação do grupo é igualzinha a de “Os Intocáveis”. O policial galã, o centrado, o nerd, o veterano. Chega a ser irritante.

Tudo é tão clichê. O galã tem no papel Gosling, que com carinha de anjo, consegue andar no submundo sem ser incomodado e ainda arranja tempo para engatar um romance proibido com a mulher de Cohen, a bonitinha Grace (Emma Stone, de Histórias Cruzadas) e com o visual à lá Jessica Rabit, mas sem a mesma sexualidade. É impressionante como um elenco tão expressivo conseguiu entregar atuações tão fracas e caricatas.

Cotação: ruim
Chico Izidro

“QUEER”

Foto: Paris Filmes “QUEER”, dirigido por Luca Guadagnino a partir de um roteiro de Justin Kuritzkes, é baseado em romance homônimo de 1985...