quinta-feira, janeiro 17, 2013
"Django Livre"
O temor era enorme que Quentin Tarantino ousasse tirar em "Django Livre" sarro excessivo de uma das maiores máculas da humanidade, a escravidão negra nos Estados Unidos. Mas após 2h45min que passam voando, o medo se mostra algo totalmente injustificado. O diretor fez um filme quase impecável, onde claro, está presente a violência extrema, com muito sangue jorrando de corpos perfurados por balas. Uma marca registrada dele. "Django Livre" conta a história do escravo que em 1859, ou seja, um ano antes da Guerra da Secessão, une-se a um alemão caçador de recompensas, King Schultz (Christoph Waltz, de Bastardos Inglórios), para tentar encontrar a esposa, a escrava Bruhilde von Schaft (Kerry Washington, de Ray), vendida para um cruel fazendeiro sulista, após eles tentarem fugir e verem frustada estab intenção - era comum à época os senhores escravagistas separarem as famílias de escravos, vendendo os membros para diferentes e distantes fazendas.
Antes de ir em busca de Bruhilde, que tem este nome por ter sido propriedade primeiro de senhores germânicos, e com eles ter tido uma educação diferenciada, inclusive aprendendo a falar alemão, Django tem de ajudar King Schultz a capturar diversos fugitivos da Justiça, e com isso aprendendo, além do manejo com maestria de pistolas, a se portar como um cavalheiro. Django, aliás, foi batizado em homenagem a um dos principais heróis do faroeste, personagem interpretado pelo italiano Franco Nero, que faz uma ponta como um senhor de escravos, no filme homônimo dos anos 1960, e dirigido por Sergio Leone. E "Django Livre" é mais do que um faroeste, é quase um balé de violência e piadas.
Tarantino provocou verdadeira grita nos Estados Unidos, principalmente por retratar de forma crua o escravagismo, e não poupar ofensas raciais. A palavra nigger, ou crioulo, é constantemente usada. Só que ele foi o mais fiel possível à linguagem utilizada naquele período. Algumas licenças poéticas são usadas com deleite, como por exemplo uma reunião dos mascarados da Ku Klux Klan, na realidade uma licença poética, pois a organização extremista só surgiria em 1865, ao final da Guerra Civil. É hilária a discussão sobre a precariedade das máscaras feitas pela mulher de um deles. E note a participação de Don Johnson (Miami Vice) como o líder da KKK.
Aliás, os coadjuvantes foram escolhidos a dedo, dando um suporte excepcional a bela atuação do quarteto central. Jamie Foxx como Django, o sempre ótimo Christoph Waltz no papel do alemão King Schultz, Leonardo DiCaprio como o fazendeiro almofadinha monsieur Calvin Candie - ele adora ser chamado de monsieur por dizer amar a cultura francesa, porém é na realidade um total ignorante sobre ela. O último integrante do quarteto é Samuel L. Jackson, roubando a parte final do filme como um velho escravo puxa-saco e cínico, que após passar a vida toda na Casa Grande servindo Calvin, perdeu totalmente a identidade, e se considera um branco, mas não pode sentar à mesa com seu patrão e acha uma afronta quando Django é convidado por Calvin para jantar com os outros brancos.
O sotaque carregado do sul americano, as roupas puídas e sujas, o descaso com a higiene, notem os dentes podres de DiCaprio, as ruas enlameadas das cidades. Tudo está lá, cuidadosamente reproduzido. Tarantino, no entanto, não acertou em cheio na trilha sonora desta vez. Em determinada cena, até um rap acabou entrando, de forma meio desconexa com o restante das músicas. A parte final, ainda, estende-se um tanto desnecessária, com muito papo-furado e alguns furos no roteiro. Mas nada que estrague.
Cotação: ótimo
Chico Izidro
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