quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Faça-me Feliz

O inventor Jean-Jacques revela um segredo para a namorada Ariane (Frédérique Bel). Ele ficou conhecendo a cantada infalível e acabou sendo bem sucedido, mas não passou do bate-papo com a garota que viu num bar. Só que sua namorada acha que ele deve ceder aos instintos e transar com a desconhecida. Pois caso contrário, ficará mais tentado a trair e a relação deles poderá naufragar. Então Jean-Jacques parte para encontrar a tal garota do bar, Elisabeth (Judith Godrèche, de Albergue Espanhol), até descobrir que ela é nada mais, nada menos do que a filha do presidente da França. E uma carente compulsiva. Este é o mote do divertido e diferente Faça-me Feliz, direção de Emmanuel Mouret, que também interpreta o personagem principal. O filme demora a engrenar, e quando isso acontece prende a atenção e faz o público quase desmaiar de tanto rir. Faça-me Feliz tem o ritmo das comédias dos irmãos Marx, com gagues em que se usa muito pouco o diálogo. Mouret (a cara do comediante brasileiro Marcelo Adnet) sabe bem usar a expressão corporal. Ele bebeu muito em Groucho, Peter Sellers, Jerry Lewis e Mr. Bean. Preste bem atenção na festa no palácio presidencial, ondeJean-Jacques fica enrolado numa cortina. Sim, a festa é uma citação explícita ao clássico Um Convidado Bem Trapalhão, de Blake Edwards e com Peter Sellers. E as investidas noturnas de Jean-Jacques por Paris remetem claramente à Nova Iorque vista em Depois das Horas, clássico oitentista nonsense dos anos 1980, dirigido por Martin Scorsese.

Tão Forte e Tão Perto

Na manhã de 11 de setembro de 2001, eu dormia placidamente quando o telefone tocou e do outro lado da linha a minha namorada, berrou: !amor, estão atacando os Estados Unidos. Liga a televisão..."Ainda sonolento, obedeci ao tempo de ver a primeira torre gêmea pegando fogo. Logo depois um avião se estatelava na outra torre. Passei o resto do dia assistindo os acontecimentos em Nova Iorque. Não há como esquecer este dia. Todo mundo, acredito, sabe o que estava fazendo ou aonde se encontrava naquela data. Para os americanos, passou a ser conhecido como o segundo dia da infâmia que viveram. O primeiro foi o ataque japonês a Pearl Harbour, em 7 de dezembro de 1941. Bem, depois destas reflexões, vamos ao cinema. Que ainda deve um filme, se não grandioso, pelo menos original sobre o 11 de setembro. Até então, os mais conhecidos são As Torres Gêmeas, com Nicolas Cage, e Voo United 93. Numa visão um pouco distante, tem A 25ª Hora, de Spike Lee e com Edward Norton. O sensível Tão Forte e Tão Perto, de Stephen Daldry, mostra os reflexos do 11 de setembro no pequeno Oskar Schell (o ótimo Thomas Horn), que perdeu o pai numa das torres. Thomas Schell Jr. é interpretado por Tom Hanks. E nem deveria estar no local dos atentados no dia, mas foi lá por causa de uma reunião. Ao morrer, deixa a família desorientada. A esposa, vivida por Sandra Bullock, entra em depressão. E Oskar, que apesar de ter uma inteligência acima da média, é um daqueles garotos cheio de neuras, típico alvo de bullying na escola. Ele encontra nas coisas do pai uma chave, que o fará sair do esconderijo e partir para uma jornada particular por Nova Iorque. Afinal, qual o segredo que essa chave pode abrir? Sempre a pé, pois tem medo de andar nos transportes públicos, o garoto percorre a cidade, encontrando os mais variados tipos. Pessoas felizes, pessoas tristes, furiosas, doces... Sandra Bullock vive um papel totalmente diferente aqueles que nos acostumamos a ver, o da mocinha romântica ou da heroína. Aqui ela não etm vergonha de aparecer velha, descuidada. Outra presença marcante em Tão Forte e Tão Perto é o do veteraníssimo ator sueco Max Von Sydow, 83 anos, como o avô mudo de Oskar e que só comunica-se através de palavras escritas num bloquinho. E o diretor Stephen Daldry nem se importou em matar Tom Hanks.

A Invenção de Hugo Cadret

O pequeno Hugo Cabret assiste embevecido ao filme Viagem à Lua com sua nova amiga, Isabelle, que nunca havia estado num cinema. Os olhos dos dois brilham intensamente. A cena diz muito do que o fascínio da sétima arte provoca nas pessoas. A Invenção de Hugo Cabret, direção de Martin Scorsese, que inclusive faz uma ponta como um fotógrafo lambe-lambe, não mostra só a vida de um garoto órfão que vive numa estação de trem da Paris de 1931. Traz também a história do cinema desde os seus primórdios, quando os irmãos Lumière filmaram a chegada na estação, assustando aqueles neófitos espectadores dos estertores do século XIX. Entre eles o mágico Georges Mélies, que transformaria-se num dos primeiros cineastas a lidar com a ilusão. E não é o cinema mais do que ilusão? Hugo é vivido por Asa Butterfield, de O Menino do Pijama Listrado. Ele perdeu o pai, rápida aparição de Jude Law, num acidente e é adotado pelo tio, que trabalha acertando os relógios da estação de trens de Paris. E lá Hugo passa os dias e noites tentando consertar um robô, chamado à época de autômato, que esconderia um segredo de seu pai. Sua vida começa a transformar-se quando conhece Isabelle (Chloë Grace Moretz, de 500 Dias Com Ela e Kick-Ass). A garota possui, sem saber, as respostas que darão novo sentido ao destino de Hugo. Uma delas é o seu guardião, Papa Georgés (Ben Kingsley). Amargurado, ele parece odiar o menino, que o faz ter lembranças que desejava soterrar. Scorsese acertou a mão em cheio em A Invenção de Hugo Cadret. O trabalho é realizado em um meticuloso 3D, com Paris sendo recriada à perfeição. Não só a capital francesa. Em cena inesquecível, o diretor mostra o mundo dos sonhos, ou em outras palavras, os bastidores das filmagens de algumas obras de Georges Mélies, que realizou mais de 500 filmes em toda a carreira, mas acabou esquecido ao começar a I Guerra Mundial. Chloë Grace Moretz é uma das melhores revelações infantis dos últimos tempos, enquanto que o veterano Ben Kinsgley (Gandhi), como sempre, acaba roubando a cena, como sempre. E a agradável surpresa é o policial da estação ferroviária, interpretado por Sacha Baron Cohen, ele mesmo, o Borat. Cada cena em que surge é um deleite. Ele vai do perigoso perseguidor de crianças órfãs, que encaminha ao Juizado de Menores, ao tímido cara apaixonado pela florista. Enfim, A Invenção de Hugo Cadret é uma verdadeira ode ao cinema e os cinéfilos vão ficar maravilhados.

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Reis e Ratos

Reis e Ratos parece ter um futuro promissor logo em sua cena inicial, quando dois irmãos meio matutos estão levando uma cantora famosa para se apresentar numa gincana em uma pequena cidadezinha do interior do Rio de Janeiro no início dos anos 1960. Minutos depois de eles chegarem ao local, vai tudo pelos ares. Corta. A bomba, pensa-se, seria obra dos comunistas. Mas não, na realidade era uma tentativa de um grupo de golpistas de eliminar a cantora, amante do presidente da República. E neste começo morre qualquer outra tentativa de o filme Reis e Ratos, de Mauro Lima, ter algo a dizer. Lima dirigiu Meu Nome Não É Johnny, que também teve dois dos atores de Reis e Ratos, Selton Mello e Rafaela Mandell, a cantora e namorada do diretor na vida real. A trama é interessante. O braço da CIA no Brasil, cujo agente é Troy Summerset (Selton Mello), que trabalha no Rio de Janeiro sob o disfarce de um dono de uma sapataria, planeja derrubar o presidente da República, que estaria levando o Brasil aos braços do comunismo. Troy se une ao Major Esdras (Octávio Müller), militar de dir. Os três alcançam enorme sintonia, têm diálogos hilários, rápidos e rasteiros, e mais acentuados ainda por aquela voz meio anasalada de Mello, um americano sem nenhum sotaque. Mauro Lima tenta recriar o clima daquela época. Até consegue, através de uma cuidada reconstituição de época e belas imagens em preto e branco durante boa parte do filme, devido a um flash-back de Troy. E personagens interessantes, como a sedutora cantora Amélia (Rafaela Mandelli) e seu acentuado sotaque sulista, ou o sebento Roni Rato (Rodrigo Santoro, irreconhecível e totalmente despojado de glamour graças a uma forte maquiagem), e até mesmo o efeminado radialista Hervê (Cauã Reymond), que tem o poder de prever o futuro, mas que inexplicavelmente vira uma espécie de ninja a certa altura do filme. Então qual seria o problema de Reis e Ratos? O problema está no roteiro, confuso, tentando pegar carona nos filmes de espionagem da época da Guerra Fria, sem sucesso. Em determinado momento, Mauro Lima não consegue mais explicar nada, transformando Reis e Ratos num verdadeiro, como se diria à época, samba do crioulo-doido. Bem que no final todo mundo sabe no que deu. Os golpistas, não os atrapalhados deste filme, conseguiram o sucesso, derrubaram Jango e o Brasil se viu durante um período de trevas de 25 anos. Cotação: ruim Chico Izidro

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

À Beira do Abismo

Um ex-policial e agora fugitivo da polícia chega em um hotel de Nova Iorque, pede o breakfast, dá uma gorjeta de 100 dólares. E minutos depois está do lado de fora do prédio, ameaçando-se jogar 21 andares abaixo. À Beira do Abismo, do dinamarquês Asger Leth, é um thriller policial cujo iníco é promissor. Afinal, qual a motivação do policial Nick Cassidy, e que nome mais clichê, vivido por Sam Worthington (de Avatar e Fúria de Titãs), para se pendurar naquela altura e pensar em suicídio? Logo a polícia e os bombeiros encontram-se no local, para evitar que ele se jogue e se espatife na calçada - já atrolhada de curiosos e incentivadores do suicídio. "Pule, pule!", berram os transeuntes. "Adoro os nova-iorquinos", deboca Nick. A investigadora e negociadora Lydia (Elizabeth Banks, de Pagando Bem, Que Mal Tem?) é chamada para intervir. Descobrindo que a intenção real de Nick não é o de se matar. Na verdade, o objetivo do ex-tira é provar sua inocência na acusação de ter roubado um diamante de 40 milhões de dólares de um empresário escroque, David Englander (Ed Harris, de Polock). A acusação o fez passar dois anos na cadeia, da qual ele fugiu e foi parar no aldo do hotel. À Beira do Abismo põe mais uma vez em cartaz um dos maios recentes fantasmas dos norte-americanos, a crise financeira de 2008, comparada por muitos com a quebra da bolsa em 1929, motivo da Grande Depressão na década seguinte. Pena que da metade em diante, o filme perca o rumo. Deixa o suspense de lado, transformando-se numa trama comum, previsível e como momentos patéticos. Sem contar os vários furos no roteiro e erros de sequência. A história poderia ter sido mais valorizada. Cotação: regular Chico Izidro

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

A Separação

Em A Separação, direção de Asghar Farhadi, temos um Irã diferente daqueles que costumamos assistir nos filmes. Essa é uma obra urbana, retratando a classe média do país e seu descontentamento com o sistema político vigente e até mesmo tocando em tabus, como a religiosidade da população. A Separação começa com o pedido do divórcio de Simin (a bela atriz Leila Hatami) do bancário Nader (Peyman Moaadi). Ela conseguiu o visto para emigrar junto com a filha de 13 anos, Termeh (Sarina Farhadi, filha do diretor). Só que o marido tem de autorizar a viagem da menina e ele não quer e também rejeita a ideia de sair do Irã com elas, pois tem de cuidar do pai, portador do mal de Alzheimer. Contrariada, Simin permanece casada, mas vai morar com a mãe. E isso vai desencadear eventos quase trágicos para a família. Nader fica no enorme apartamento com a filha e o pai e contrata uma empregada, Razieh (Sareh Bayat), para cuidar do velho, senil. Razieh é uma mulher complicada para a cabeça mais ocidentalizada de Nader. Ela é muçulmana praticante, mora longe demais do emprego e não revela ao marido que está trabalhando na casa de um homem separado. E além disso está gravida, mas esconde este fato. Há uma cena que mostra bem como pensa Razieh. Ela tem de trocar a fralda do pai de Nader, mas como tocar num homem que não é seu marido? Acaba ligando para um religioso para sanar sua dúvida. A gravidez da empregada a obriga a procurar um médico numa emergência e a faz deixar o velho sozinho e amarrado dentro do apartamento, para que ele não caia da cama. Nader acaba encontrando o pai sozinho e desfalecido e acaba por demitir a empregada, que não aceita ir embora sem receber o pagamento. Os dois brigam e Razieh cai na escada, indo para o hospital. No dia seguinte, Nader é intimado pela polícia, acusado de ter provocado um aborto na empregada. E por isso pode ser preso. A Separação vira, daí em diante, um instigante trama de tribunal. Com as duas partes tentando mostrar quem está certo e quem está se afundando em mentiras. O mais chocante, porém, é a visão do marido de Razieh, Hodjat (Shahab Hosseini, sem dúvida a melhor atuação do filme). Irracional e intolerante (seria uma comparação com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad?), insiste em chamar Nader de assassino. Mas para ele pesa mais na questão não o fato de sua mulher ter abortado, mas sim o de estar trabalhando na casa de outro homem, mesmo que seja para ajudá-lo a pagar as dívidas. Enfim, Farhadi mostra dois lados de uma mesma moeda, dois Irãs, um que tenta avançar e outro que se esconde sob o radicalismo religioso. Cotação: ótimo Chico Izidro

Para Poucos

Você aceitaria dividir o seu cônjuge com outra pessoa? No ousado Para Poucos, do francês Antony Cordier, a questão vem à tona. Se americano fosse, o filme seria cheio de dedos. Pudico e moralista. Os franceses, e ainda bem, não tem esses pudores. Baseado explicitamente em Jules and Jim, Uma Mulher Para Três, de François Truffaut, Para Poucos coloca mais uma pessoa na cama. O feliz casal Rachel (Marina Foïs) e Franck (Roschdy Zem, de Fora da Lei e Dias de Glória), donos de uma pequena fábrica de bijouterias, conhece outro casal, Téri (Élodie Bouchez) e Vincent (Nicolas Duvauchelle). A sintonia entre eles é imediata e aos poucos ocorre o troca-troca, com Franck formando par com Téri e Rachel indo para os braços de Vincent. Eles adotam regras para manter o swing: uma é os novos casais estarem sempre separados, em locais diferentes. Outra regra é nunca comentarem o que fazem com o outro parceiro. E a última norma: se em determinado momento, um dos quatro não estar mais confortável com a situação, tudo acaba. Para Poucos é interessante também ao colocar em cena atores que não são bonitos. Gente normal, sem glamour. O problema é que a ousadia do filme começa a se tornar repetitiva e estéril, perdendo o questionamento inicial. Cotação: bom Chico Izidro

O Artista

O Artista é uma daquelas obras de arte que chegam na hora certa, no lugar certo. Dirigido pelo francês Michel Hazanavicius, é uma verdadeira ode ao cinema, ao nível de Cinema Paradiso, grande filme de 1989, se não superior. E pensar que Hazanavicius é culpado por uma das piores comédias de todos os tempos, o intragável O Agente 117. Cujo personagem é interpretado pelo seu ator preferido, Jean Dujardin, o mesmo que está à frente de O Artista. Dujardin vive George Valentin, ídolo do cinema mudo, que começa a sentir os efeitos da mudança que está ocorrendo na indústria cinematográfica, já que ao final dos anos 1920, o som começa a dar as cartas e cair no gosto do público. Só que Valentin não compreende isso, repete que o cinema sonoro não tem futuro. E por isso insiste em seguir no caminho que o consagrou, mas que também será sua ruína. Em contrapartida, Peppy Miller (Bérénice Bejo, esposa de Hazanavicius), que iniciou a carreira graças a um empurrão de Valentin, ascende na carreira ao protagonizar filmes românticos e falados. E secretamente, vira uma espécie de anjo da guarda do decadente Valentin, que não se desgruda de seu fiel cãozinho Uggie. Todo filmado em P&B e predominantemente mudo - os atores não falam e algumas falas delas são mostradas em letreiros, como nos primórdios da sétima arte -, podemos escutar músicas, passos e outros tipos de som. Uma bela cena é a que Dujardin acorda e, apavorado, começa a escutar a janela rangendo, a pia pingando, folhas de árvores caindo e seu cão latindo. A reconstituição de época também é primorosa, e um descuidado pode até acreditar estar assistindo um filme dos anos 20 do século passado. O Artista é uma referência quase explicita ao ator John Gilbert, astro da era muda e que perdeu tudo com o advento do cinema sonoro, tanto que morreu de tanto beber em 1936. O belo filme também evoca Charlie Chaplin, teimoso e que só entraria de vez na era falada com o genial Tempos Modernos, no mesmo ano da morte de Gilbert. E claro que não podemos esquecer os clássicos Cantando na Chuva e Crepúsculo dos Deuses, que lembram a ascenção e queda de atores que tiveram seu auge no cinema mudo e afundaram quando do advento da sonorização. Cotação: ótimo Chico Izidro

Filha do Mal

A Bruxa de Blair, filme de terror do final do século passado, foi pioneiro em mostrar os personagens segurando a câmera, como estivéssemos vendo um documentário real, apesar de sabermos que do outro lado da tela, ser tudo ficção. E ao mesmo tempo fez um incrível mal ao gênero, pois são raros os filmes em que histórias com câmera na mão e atuação dos atores funcione. O melhor exemplo talvez seja Cloverfield Monstro. Outros, como a cinesérie Atividade Paranormal, O Último Exorcismo e agora Filha do Mal, naufragam redondamente. Filha do Mal, dirigido por William Brent, tem como protagonista a atriz brasileira Fernanda Andrade no papel da jovem Isabella Rossi. Na história, ela decide fazer um documentário sobre um assassinato triplo praticado, no final dos anos 1980, por sua mãe Maria Rossi (Suzan Crowley). Ela matou três religiosos enquanto estava sendo exorcizada. A menina cresceu traumatizada com o incidente e já adulta, partiu para Roma, onde Maria Rossi está internada num hospício. Ao lado de um amigo cinematografista e dois padres, Isabella tenta descobrir maiores detalhes sobre os crimes, até constatar que sua mãe ainda está possuída. Filha do Mal é uma sequência de cenas mal feitas e mal-interpretadas, onde impera aquela câmera nervosa e irritante, onde o diretor tenta em vão, dar um susto na plateia. Não cabe aqui contar o término do filme, mas dá para antecipar que o demônio vai transferindo-se de um corpo para outro, para tudo acabar num anticlimax total. Cotação: ruim Chico Izidro

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

? Isto Não É Um Filme?

No genial livro É isto um homem, o escritor judeu italiano Primo Levi, que suicidou-se em 1987, retratou sua vida no campo de concentração de Auschwitz e como isso o reduziu como ser humano. O diretor de cinema iraniano Jafar Panahi foi condenado pelo governo ditatorial de Mahmoud Ahmadinejad a seis anos de prisão e 20 sem poder filmar suas obras. A acusação é de que ele atentou contra a segurança nacional e fazer propaganda contra a república islâmica. Em ? Isto Não É Um Filme?, título que lembra o trabalho de Levi, Panahi mostra, de forma quase amadora, ao que foi reduzido por ser um crítico mordaz do sistema político do Irã. O filme foi contrabandeado para o exterior através de um pen drive. Como está proibido de filmar, o diretor teve de driblar as severas leis de sua terra. Para tanto, teve de utilizar até mesmo um celular. Em prisão domiciliar, Panahi mostra um de seus dias dentro de seu apartamento. A data é exatamente o ano novo. E por isso lá fora o tempo todo escutam-se explosões, tiros. Mas não é guerra. É o povo comemorando. Mas isso não saberemos logo de cara. O cineasta recebe um amigo, que vai operar a câmera, enquanto ele passeia pelo amplo apartamento. Conversa com a advogada, fala da família, toma chã, brinca com sua iguana - que por ironia que tem toda a liberdade para se deslocar pela casa, subir nos móveis, sem pedir licença para nada. Panahi tem em mãos um roteiro de um novo filme (que claro, não pode filmar). Ao invés de apenas lê-lo, para não matar o espectador de tédio, a sua ideia é mostrar como dirigiria as cenas se pudesse. E nova ironia: a história é sobre uma garota presa num pequeno quarto por querer fazer faculdade de artes. O cineasta se limita a marcar um espaço na sala de seu apartamento, com uma fita sobre o belo tapete persa, as cenas que imagina em sua cabeça. E ele não consegue ficar incólume a isso, pois a repressão o atinge até ali mesmo dentro de sua propriedade. E Pahani sufoca, desistindo de continuar com aquela interpretação. Afinal, ele é a garota presa dentro de seu cubículo por querer fazer arte. No caso, cinema. E ? Isto Não É Um Filme? mostra, de forma rudimentar e inteligentíssima, como é difícil viver dentro de uma ditadura. De querer colocar para fora suas ideias, projetos e não poder. Ser visto como um contraventor num país governado por um ditador irracional, no caso Ahmadinejad, e os religiosos, que fazem uma leitura completamente equivocada das leis islâmicas. Cotação: excelente Chico Izidro

Histórias Cruzadas

A escravidão nos Estados Unidos foi abolida em 1863, durante a Guerra da Secessão. Mas quase um século depois, os negros do país ainda viviam sob um rígido sistema de segregação. Recebiam salários ínfimos, eram obrigados a sentar nos lugares do fundo no ônibus, e tinham banheiros e até bebedouros "exclusivos", entre outras barbaridades. Nesse apartheid no racista estado do Mississipi, na cidade de Jackson, vivem no início dos anos 1960 as protagonistas de Histórias Cruzadas, no original The Help, dirigido por Tate Taylor. A ótima atriz Viola Davis, de Comer Rezar Amar, vive Aibileen Clark, empregada doméstica e babá de uma família branca. Como era comum nos Estados Unidos as crianças eram criadas pelas mães negras que na época da escravatura não recebiam um centavo pelo serviço. Muitas tinham de deixar os próprios filhos ao cuidado de outros, enquanto criavam os bebês brancos. Depois da abolição passaram a ser assalariadas, só que continuavam a ser vistas como servas. Desprezadas, cuidavam das crianças que quando crescidas, não invariavelmente, tornavam-se tão racistas e esnobes quanto seus pais. Nesse mundo que já ficou para trás viveu também a jovem Eugenia (Emma Stone), apelidada de Skeeter, que ao contrário das outras garotas de Jackson não sonhava em ter uma vida medíocre, ou seja, apenas casar, ter filhos, a quem dariam pouca atenção, e passar as tardes em reuniões fúteis com outras mulheres. Skeeter tinha como objetivo o de ser jornalista e escritora. E é ela que vai escrever, ajudada por essas empregadas e mães negras, o livro The Help, que conta a vida sacrificada dessas mulheres. Histórias Cruzadas tem atuação emocionante de Viola Davis e da coadjuvante Octavia Spencer, de Arraste-me para o Inferno, que por pouco não rouba o filme. A personagem de Stone, de Zumbilândia, é cativante. Já Bryce Dallas Howard, de A Vila, mesmo convencendo como racista, por vezes exagera em algumas caras e bocas, notadamente na cena em que é expulsa da casa de uma inimiga. Em alguns momentos, porém, Histórias Cruzadas escorrega no sentimentalismo, e chega a lembrar A Cor Púrpura, talvez pela temática referente ao sofrimento das mulheres negras no sul dos Estados Unidos. E no final, agradecemos às pessoas que lutaram e sacrificaram suas vidas durante o Movimento dos Diretos Civis. Pois eles fizeram este mundo ficar um pouco melhor. Cotação: bom Chico Izidro

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Precisamos Falar Sobre o Kevin

Um vermelho intenso toma conta de várias cenas e Tilda Swinton vagueia, sempre macambuzia e nunca soltando um sorriso no pesado e reflexivo Precisamos Falar Sobre o Kevin, direção de Lynne Ramsay e baseado no livro homônimo de Lionel Shriver e lançado no começo da década passada. O filme trata de um tema muito em voga nas últimas duas décadas, o massacre de jovens em escolas americanas por algum estudante doentio. Este tipo de crime, infelizmente, tão comum nos Estados Unidos acabou espalhando-se pelo mundo, já tendo sido registrados incidentes semelhantes na Europa e até no Brasil. Precisamos Falar Sobre o Kevin discute e faz pensar em qual é a culpa de uma mãe na criação de um filho. Mas será que a criança é má por natureza ou a criação é que a transforma numa pessoa má? Eva, vivida intensamente por Tilda Swinton, desde sempre nota que o filho é diferente. Para pior. Em determinado momento, ela diz ao garoto: "Eu era muito feliz antes de você nascer..." E como todo o sociopata, Kevin consegue iludir. Para quem vê de fora, o garoto é um filho exemplar. E nem mesmo o seu pai, interpretado pelo sempre ótimo John C. Reilly (Boogie Nights e Cyrus), desconfia de suas atitudes, chegando a considerar que a esposa é uma mentirosa e maluca. Em determinado momento, ela diz ao garoto: "Eu era muito feliz antes de você nascer..." Ezra Miller vive Kevin na adolescência, mostrando um olhar doentio e sádico. Mas quem surpreende é o garotinho Jasper Newell, o Kevin na infância. Ele reencarna perfeitamente o demoniaco Damien, de A Profecia. Seus olhares, seus gestos são perfeitos, chegando a dar medo. E muita gente deve pensar: ter ou não ter filhos? E se nasce alguém assim? Eva carrega consigo a culpa pelo massacre praticado pelo filho. E é discriminada por isso, ainda mais e sabemos isso desde o início, que Kevin não suicidou-se após cometer o massacre, como é comum, mas está preso. E Eva não abandonou o filho. Por isso os vizinhos picham a sua casa, cospem em sua cara, a agridem. Os momentos finais de Precisamos Falar Sobre o Kevin são sufocantes, por mais que saibamos o que acontecerá. Mas como o crime acontecerá? O pavor de Eva ao receber a notícia de que ocorreu um massacre na escola de seu filho. E o desespero dela ao constatar ter sido o seu rebento o autor da chacina. Perturbador. Cotação: ótimo Chico Izidro

Os Nomes do Amor

Tratar de assuntos como imigração, fascismo, religião e Holocausto com humor não é dos mais fáceis. O pior exemplo é o deplorável A Vida é Bela, que tratou o extermínio dos judeus de forma equivocada e debochada. No mesmo período o ótimo O Trem da Vida sobre o mesmo tema, passou batido. Em Os Nomes do Amor, de Michel Leclerc, todos os temas citados acima foram unidos de forma divertida, acrescentando a eles o sexo. Bahia Benmahmoud é uma belíssima garota francesa, filha de um imigrante argelino com uma hippie francesa. Quase sem noção, falante compulsiva, Bahia (e ela não se cansa de repetir não ser brasileira e sim árabe) é uma militante política de esquerda. E no melhor lema sessentista faça amor, não faça a guerra, Bahia transa com adversários políticos de direita para tentar convertê-los. A revolucionária vai acabar conhecendo um homem mais velho, por quem vai se apaixonar. O problema é que Arthur Martin (Jacques Gamblin) é um reprimido, cujo nome é o mesmo de uma grande empresa de eletrodomésticos francesa e toda hora é confundido com o herdeiro da firma e tem de desmentir. Na realidade, Arthur trabalha na prevenção da gripe aviária e passa o tempo catando aves mortas pelos arredores da capital francesa. Ele também se apaixona por Bahia, mas ao contrário da garota, que parece resolvida, Arthur sofre por desconhecer o passado de seus pais - a mãe teve os pais mortos no Holocausto e se nega a falar sobre isso. Já o pai lutou na Guerra da Argélia, terra natal, por ironia do pai de Bahia. Numa bela sacada do filme, Arthur costuma conversar com ele mesmo mais jovem (Adrien Stoclet). A cena do jantar entre o casal e os seus respectivos pais é hilária. Bahia começa a desfilar comentários inocentes, mas que remetem ao Holocausto, e quase pira, saindo em disparada pelo apartamento. A linda atriz Sara Forestier, de grandes e cristalinos olhos azuis, vive a maluquete e não mostra pudores, pois faz closes nus e desfila sem roupas pelo metrô de Paris na maior naturalidade. Os Nomes do Amor tem um final convencional, mas o modo com que ele é encaminhado até lá é que faz o diferencial. Cotação: bom Chico Izidro

L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância

Mulheres bonitas num ambiente fechado, claustrofóbico. O clima pode ficar tenso, com fofocas, intrigas, tentativas de rasteira. Vide o bordel visto em Bruna Surfistinha. Tudo bem, pode ser um pensamento machista. Mas em L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância, de Bertrand Bonello, é mostrada a vida de prostitutas em um bordel no final do Século XX. O local está para fechar, mas enquanto o tal dia não chega, as meninas recebem seus clientes, todos senhores "respeitáveis" da alta sociedade francesa da época. E elas sonham em sair do bordel, daquela vida. Em casar com um daqueles cavalheiros. São mulheres bonitas, carentes e esperançosas. L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância é passado, 95% dele, dentro do bordel. Imagens sombrias, ambiente sufocante. E reconstituição primorosa de época. O problema, no entanto, apesar do assunto interessante, torna-se cansativo, pois repete-se em longos bate papos e digressões das prostitutas. Cotação: regular Chico Izidro

“QUEER”

Foto: Paris Filmes “QUEER”, dirigido por Luca Guadagnino a partir de um roteiro de Justin Kuritzkes, é baseado em romance homônimo de 1985...